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  • Foto do escritorDamaris Schabuder

Legado da industrialização

“Nos anos 1840, a mortalidade nos bairros das classes trabalhadoras em Manchester era 68% maior do que nos da ‘primeira classe’. A sociedade burguesa condenou os trabalhadores a condições de vida insalubres, baixos salários e exaustão física e mental. Se a sociedade põe as pessoas numa posição tal que eles morrem mais cedo e de causas não naturais, isso é assassinato. Acuso amplamente a burguesia de assassinato social.” Friedrich Engels

Os trabalhadores trabalhavam durante a Revolução Industrial até a exaustão, usando roupas baratas que não os protegiam de acidentes ou do clima. Eles só podiam comprar a comida descartada pela burguesia, como carne podre, verduras murchas, o açúcar que era refugo das empresas produtoras de sabão e cacau misturado com terra.

Quando não havia trabalho e os salários sumiam, não era possível nem ter um mínimo de comida, e muitos trabalhadores e suas famílias passavam fome. Isso causava doenças e impedia o trabalho quando surgiam novos postos. Não havia médicos, e era comum que famílias inteiras morressem de fome.

A fome social é colocada pela sociedade, grande parte dos encontros sociais acaba em comida ou geralmente ela está presente, sem ela o indivíduo não faz parte da sociedade. Rosseau (1999), no seu famoso Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, diz conceber na espécie humana dois tipos de desigualdades: uma que chamou de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e outra que designou de moral ou política. “Esta última consiste nos vários privilégios que gozam alguns em prejuízo de outros, como serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles” (ROUSSEAU,1999, p. 51).

No dia a dia, a igualdade dos cidadãos, declarada em lei, não é observada. A separação do indivíduo do corpo social, se revela, na atualidade, um dos dilemas dos direitos humanos, na busca do ‘ter’ se perde o ‘ser’. Corpo, mente e alma são sujeitos deixados à margem da sociedade. O Código Penal, quanto ao suicídio, no artigo 122 prevê apenamento a terceiros apenas nas hipóteses de terem auxiliado a vítima mediante indução ou instigamento ao cometimento trágico. Não há, porém, previsão criminal para outras formas de induzimento ao suicídio moral ou social, seja na legislação nacional, seja em tratados internacionais. Caso existisse haveria um grande julgamento devido aos atos ilícitos do Governo, dos indivíduos, das regiões e dos países. Marginalizar é uma espécie de indução ao suicídio social. Quando o Estado nega ao cidadão um prato de comida, um lar, um trabalho e, portanto, a própria condição do ser humano à existência social, nega-se a própria vida.

Fome ( do latim faminem) é o nome que se dá a sensação pelo qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter suas atividades inerentes à vida. Temos fome num mundo onde se desperdiça a cada ano aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. Isso representa mais de 30% de toda produção mundial de alimentos para consumo humano. Toda essa comida seria mais do que suficiente para alimentar as 821 milhões de pessoas que ainda passam fome no mundo, dados divulgados na Semana Nacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdícios de Alimentos 2018. O tema é de fundamental importância humanitária em todo o mundo e foi incorporado na Agenda 2030 pelo Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 12.3, que coloca o desafio global de reduzir o desperdício de alimentos diante do desafio de contribuir para a erradicação da fome no mundo presente no ODS 2, retratada no Mapa da Fome monitorado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Não seria um legado da industrialização? 56% do desperdício de alimentos acontece em países industrializados. Considerando as emissões de carbono relacionadas ao desperdício de alimentos, os maiores responsáveis são a Europa, Estados Unidos e Ásia industrializada. A América Latina tem uma contribuição um pouco maior que a média mundial. Em países desenvolvidos, o desperdício está mais relacionado a aspectos políticos, econômicos e de comportamento da sociedade, sendo as perdas concentradas ao final da cadeia produtiva - varejo e domicílios. Nos países em desenvolvimento, as perdas ocorrem com mais intensidade no início da cadeia – na lavoura, transporte e estocagem (KOSSEVA, 2013; IMECHE, 2013; FAO,2013).

Em 1760 a Revolução Industrial começa quando a “lançadeira volante” dos teares muda a manufatura têxtil na Inglaterra, quase 200 anos depois a Declaração dos Direitos Humanos é adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. “Quando consumimos os recursos do mundo em excesso, nós os tornamos ainda mais escassos para os outros”, Gandhi. Qual a parte que nos cabe? Qual a nossa responsabilidade na escassez do outro quando consumimos e quando desperdiçamos? Quando se desperdiça alimentos se desperdiça tudo: água, combustível, trabalho, dinheiro, amor e à vida. Não basta um reconhecimento no papel pois é a ação que alimenta.

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