Minas Gerais e sua ruralidade
- Damaris Schabuder
- 21 de abr. de 2019
- 4 min de leitura
Composto por quatro biomas: mata atlântica, cerrado, matas secas e caatinga, Minas Gerais possui uma potencialidade na fauna e flora que, historicamente, evoluiu em cores e sabores, fazendo do estado uma das culinárias mais importantes do Brasil e do mundo.
Essa culinária nasceu não apenas da diversidade dos biomas, mas também da estrutura social e da regionalização cultural que cada território apresentou ao longo de sua constituição. A miscigenação e integração de diferentes povos, comunidades e nacionalidades presentes em Minas Gerais, como população negra, tropeiros, bandeirantes, emboabas, indígenas e povos de origem europeia traz a cada um desses territórios uma constituição de relação com a terra, a água e, por sua vez, a forma de alimentar e utilizar o ambiente vivido.
Esse encontro de práticas alimentares e a tradição de sabores nas diferentes regiões trouxeram para Minas Gerais duas características fundamentais ao estado. A primeira é de que a ruralidade promoveu a característica cultural, política e culinária dos mineiros, resultando em mais diferentes formas de alimentação, como também de cuidado e cultivo da terra. A segunda característica é a de que essas tradições culinárias locais e regionais constituem uma marca importante (se não a mais importante) forma de perceber o estado de Minas Gerais àqueles que não são mineiros, mas enxergam o Brasil pelo que ouvem.

A gastronomia está na relação entre ciência e arte culinária, o desafio concreto de buscar a alimentação e nutrição, mas, antes destas perspectivas, a relação do sujeito com o alimento e sua história faz da gastronomia um conceito vivo e cotidiano.
Porém, a Gastronomia não podemos nos esquecer que comer é um ato político, é necessário um diálogo com os planos estaduais que dialogam diretamente com o desenvolvimento agrário, poderia se destacar o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS) e a Política de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (PESANS). É necessário que esta discussão seja integrada para que se fortaleça, antes de outras questões, um estado como Minas Gerais, que, culturalmente, se identifica com sabores e diversidade alimentar, mas também com a relação política do alimento.
O ato alimentar deve ser encarado como política pública desde sua produção até o consumo. As relações educativas e comunicativas referentes à escolha dos alimentos, à valorização de produtos, como o Queijo Minas Artesanal, o movimento SlowFood Brasil entende que este desenvolvimento passa por ciclos de desenvolvimento (social, produtivo e econômico). O que se pensa como agrário possibilita trazer ao estado uma condição ímpar de sua história, pensar estes ciclos conjuntos e não isolados, como é visível em diversas políticas públicas. O avanço dos marcos regulatórios, o alinhamento conceitual e o ordenamento político e administrativo podem possibilitar à gastronomia um eixo de desenvolvimento agrário, sendo este um dos mais importantes eixos para o desenvolvimento da agricultura familiar no estado de Minas Gerais. Não se divide a vida das pessoas; as agricultoras e agricultores familiares precisam de uma gestão pública que compreenda que suas demandas não advêm apenas de fomento e crédito rural, mas de um profundo diálogo sobre as vivências e relações do campo a fim de garantir a cidadania e o saber popular.
Por sua vez, a escolha não é só do consumidor, mas também de como o estado entende a relação agrária e a produção deste alimento. Segundo o Perfil da Agricultura Familiar, baseado nos dados do Censo Agropecuário de 2006, Minas Gerais, além de ter a segunda maior população rural do país, tem 79% dos seus estabelecimentos rurais de agricultores familiares. Estes agricultores representam uma diversidade de produção, desde a mandioca até laticínios e hortifrutigranjeiros. Os agricultores familiares estão, em sua formação cultural, integrados em suas crenças, valores morais e religiosos. São povos indígenas, comunidades quilombolas, caatingueiros, apanhadores de flores-vivas, entre outras atividades produtivas e integrados à dinâmica viva do território. Outro aspecto importante é que, apesar de serem quase 80% dos estabelecimentos, estes estão concentrados em menos de 30% de área total. A agricultura familiar não é um elemento da diversidade, mas contém, nela mesma, toda a diversidade (LAMARCHE, 1993).
Diversos autores avaliam que a característica principal da agricultura familiar está em reunir ao menos o tripé gestão, propriedade e trabalho familiar (SCHNEIDER, 2003; CHAYANOV, 1981). A combinação destes três elementos identifica que um estabelecimento familiar é, ao mesmo tempo, uma unidade de produção e de consumo; uma unidade de produção e de reprodução social.
"Dois fatores, de grande importância, marcaram as transformações recentes do mundo rural brasileiro. Por um lado, pela primeira vez na história, a agricultura familiar foi oficialmente reconhecida como um ator social. Antes vistos apenas como os pobres do campo, os produtores de baixa renda ou os pequenos produtores, os agricultores familiares são hoje percebidos como portadores de uma outra concepção de agricultura, diferente e alternativa à agricultura latifundiária e patronal dominante no país. [...] Por outro lado, a forte e eficaz demanda pela terra se traduz hoje pela emergência de um setor de assentamentos de reforma agrária. Uma das principais conseqüências destes dois movimentos é a revalorização do meio rural como lugar de trabalho e de vida, que se expressa na retomada da reivindicação pela permanência ou retorno à terra. Esta 'ruralidade' da agricultura familiar, que povoa o campo e anima sua vida social, se opõe, ao mesmo tempo, à relação absenteísta, desaprovadora e predatória do espaço rural, praticada pela agricultura latifundiária, à visão 'urbanocentrada' dominante na sociedade e à percepção do meio rural sem agricultores." (WANDERLEY, 2000).
O “rural” não se constitui como uma essência, imutável, que poderia ser encontrada em cada sociedade. Ao contrário, esta é uma categoria histórica, que se transforma. Cabe, portanto, “compreender as formas deste rural nas diversas sociedades passadas e presentes”. (Wanderley, 2012, p. 70)
Comentários