O sabor da geografia
- Damaris Schabuder
- 10 de mai. de 2019
- 3 min de leitura

"A culinária de um país é parte do gênero de vida de seu povo. Exprime não só os fatores físicos de sua geografia como também seus aspectos humanos, econômicos, sociais e culturais. Podemos, por meio de um processo de “engenharia reversa”, “desconstruir” uma receita para encontrarmos os produtos agrícolas e as técnicas de cultivo, os temperos utilizados e o tipo de pecuária dominantes em uma região. Mas o prato não se resume a seus aspectos materiais. É necessário, também, que façamos uma “arqueologia dos sabores”, ou seja, uma dedução do tipo de clima e solo principais, dos grupos étnicos presentes, das migrações existentes, das influências exteriores, bem como das características culturais. Portanto, podemos, a partir das receitas representativas de sua culinária, descobrir muitos dos elementos que compõe a geografia física e humana de uma região. E, como numa via de mão-dupla, o conhecimento antecipado dos fatores geográficos que configuram uma dada sociedade pode contribuir para a explicação de seus hábitos alimentares. Como disse Sophie Bessis : “Dize-me o que comes e direi que Deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nasceste, e em qual grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua identidade”. (Botelho, Adriano. Geografia dos sabores: ensaio sobre a dinâmica da cozinha brasileira.)
As grandes navegações realizadas nos séculos XV e XVI foram os maiores fatores que proporcionaram condições para aproximação entre a Europa, América e a Ásia. Depois, como um dos reflexos da Revolução Industrial do século XIX, as concepções econômicas mudam com repercussão em todo o mundo, com todas as características da Revolução Industrial pela maior rapidez nos processos de produção, pelo desenvolvimento de novas tecnologias e visão capitalista acentuada. Assim, os reflexos da Revolução Industrial fizeram-se perceber pelas transformações nos aspectos geográficos, econômicos, políticos e culturais, e ainda, expressiva mistura de sabores entre os povos envolvidos nos movimentos migratórios. A cozinha brasileira é um exemplo disso, manteve em suas receitas muitos ingredientes locais mas influenciados pelos portugueses, espanhóis, africanos... e tudo vive hoje de forma homogênea e harmoniosa, e assim temos uma gastronomia rica com suas cozinhas regionais e microrregionais.
A geografia pode ser ensinada através da gastronomia e vice versa.
A Geografia é uma disciplina que requer estudo e análise críticos, é fundamental para as futuras gerações compreenderem o mundo, já que é uma das poucas disciplinas que possibilita o acompanhamento das transformações de forma integrada. Em outras palavras: Geografia não é só o que está no livro ou o que o professor fala. Você a faz diariamente.
O ato de se alimentar não é apenas biológico, mas é também social e cultural. Possui um significado simbólico para cada sociedade, e para cada cultura. É fator de diferenciação cultural, uma vez que a identidade é comunicada pelas pessoas também através do alimento, que reflete as preferências, as aversões, identificações e discriminações. Através da alimentação, é possível visualizar e sentir tradições que não são ditas. A alimentação é também memória, opera muito fortemente no imaginário de cada pessoa, e está associada aos sentidos: odor, a visão, o sabor e até a audição. Destaca as diferenças, as semelhanças, as crenças e a classe social a que se pertence, por carregar as marcas da cultura.

Quando a Geografia associa as memórias e os sabores advindos das composições alimentares dos países, está valorizando o patrimônio cultural daquele lugar, bem como ultrapassando as fronteiras geográficas para aproximar os limites culturais. Dentro dos países, diversos são os alimentos impregnados de historicidade e geografias, acompanhados por condições culturais de vivência que, na atualidade, refletem modos de vida que já existiram ou que ainda sobrevivem apesar dos movimentos de globalização e aculturamento promovidos. São comidas típicas que tem o dom de nos remeter a diferentes lugares, como o acarajé, que automaticamente já lembra a Bahia, as baianas, as praias de areias brancas e águas claras. Pode-se até dizer que há mais identidade brasileira nos pratos típicos que nas simbologias expressas na bandeira nacional.
Dessa forma, a gastronomia aparece na condição de grande promotora de cultura, história e geografia. A própria condição de alimentos já permite associações com situações e lugares que a leitura de mapas, textos ou vídeos não consegue alcançar. Trata-se de utilizar outros sentidos para aprender e apreender aquilo que se vivencia.
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